terça-feira, 2 de março de 2010

A Educação dos Sentimentos

A preocupação dos pais e professores muitas vezes está focada no desenvolvimento da competência cognitiva ou exclusivamente da memória dos filhos e alunos. É preciso ir além. Um olhar para os sentimentos nos ajuda a compreender melhor o ser humano, que é a razão e emoção. E ajuda também a entender por que há pessoas mais equilibradas e outras entregues ao destempero e ao desamor.

Nossa vida é como um fluxo contínuo em que vivemos sentimentos alegres e tristes, libertadores e escravizantes. Conhecemos pessoas e, com elas, a crueldade, o abandono, a ternura, a generosidade. Em nossas histórias, os pais são os primeiros que deixam a sua marca. Depois, as outras pessoas próximas, a mídia, o mundo e, assim, vamos nos construindo. Com o tempo, percebemos que algumas dessas pessoas nos feriram profundamente. E essas marcas ficam nos incomodando.

Guardar rancor é como guardar bolor, guardar sujeira. Faz mal. Libertar-se desses sentimentos menores exige uma postura nova. Exige uma capacidade de viajar pelo tempo e relembrar marcas lindas de momentos e pessoas inesquecíveis, de gestos de gratidão, solidariedade e amor. Mesmo naquelas pessoas que nos deixaram alguma dor.

Há uma antiga história sobre um lenhador que tinha um único filho de poucos meses e uma raposa, tratada como um bicho de estimação, de sua total confiança. Todos os dias, o lenhador ia trabalhar e deixava sua amiga, a raposa, tomando conta do bebê. Quando ele voltava, a raposa fazia festa pela sua chegada. Seus conhecidos alertavam para os riscos, diziam que era um animal selvagem, que não era confiável; ao que ele respondia: “mas ela é minha amiga”. E as pessoas falavam e falavam dos perigos da raposa e de que um dia ela, com fome, devoraria a criança. Certa vez, chegando em casa, muito cansado e cheio de tanta falação, encontrou a raposa com o mesmo sorriso de sempre, mas com os dentes ensangüentados. O lenhador não teve dúvida; sem pensar duas vezes, tomado por um ódio incomum, com uma única machadada, partiu a cabeça da raposa. E correndo foi ver o filho. Quando entrou no quarto, viu que dormia tranquilamente ao lado de uma cobra morta.

Platão, filósofo grego dizia que quando o ser humano pensa antes de agir, nunca escolhe o mal. O problema é não pensar. É ser impulsivo, incontinente. Santo Agostinho, o filósofo do amor, vai um pouco além, quando sentimos a presença de Deus os nossos sentimentos ganham outra educação.

Por mais dura que tenha sido alguma experiência de vida, é preciso olhar para a frente, para o futuro, e viver o que nos resta. Deixe o passado no seu lugar, no tempo de ontem. Dele, pegue apenas a experiência para viver melhor o hoje e o amanhã. E mais uma sugestão: pense duas vezes antes de ouvir falatórios e matar a raposa. Veja primeiro como está seu filho e agradeça.

Gabriel Chalita (professor, escritor e apresentador da TV Canção Nova)

Artigo publicado na Revista Canção Nova, março 2010

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